(Nasceu em Recife, em 15 de março de 1900)
Observou Lafcadio Hearn na
Ilha de Martinique que, entre aqueles Ilhéus, isto é, entre os relativamente
letrados, o interesse pelas coisas estava na razão inversa da sua proximidade.
A ilha pouco interessava e menos ainda o povoado que habitavam.
Em outras palavras, falta
aqueles Ilhéus, e talvez lhes falte ainda, o senso, a consciência ou o
sentimento local que os animasse para o gozo e para o aproveitamento de valores
próprios, das coisas da ilha, das belezas que ali se revelavam a Lafcadio Hearn
com um tão estranho encanto.
Dominava-os a tirania da
distância que alucina e perturba de tal modo a visão de certos homens e de
certos grupos, que só o remoto os interessa e os apaixona: as coisas de perto
são como se não existissem. E quando se preocupam com essas coisas é para
plasmar à semelhança do cartão postal ou do figurino exótico.
Ora, não há mal algum, antes
grande bem ou vantagem, em viver qualquer indivíduo ou grupo em contato com
cartões postais, os figurinos, as fitas de cinema, as revistas, os livros e
jornais estrangeiros. Este contato é fecundante, excitante, estimulante.
O perigo está na tirania
mística do exótico, em prejuízo ou com sacrifício, às vezes, de tão boas
tradições locais, de tão boa prata da casa.
Sob esta tirania do exótico,
sob esse absorvente prestígio místico da distância do Rio, sobretudo, cujos
cartões postais constituem para grande número
de ideal estético – temos vivido, nestes últimos anos, certos grupos do
Nordeste do Brasil.
Por isso se me afigura tão
feliz, ainda que com ar melancólico de trem atrasado, a reação regionalista,
esta pequena onda que ora se levanta em Pernambuco.
Menos forte, porém já
sensível, será a consciência municipal ou o espírito de Urbs com que no Recife
temos procurado excitar alguns esquisitões, inimigos do haussmanismo que nos
ameaça.
O haussmanismo já reduziu o
Rio à aquela cidade – Caravançarai, cuja repercussão sobre um temperamento fino
vem agudamente fixada no romance do Sr. Moraes Coutinho: “Os Novos Bárbaros”.
O Rio, no conjunto de suas
avenidas novas e dos seus Palácios Cosmopolitas, não passará dum amontoado
inexpressivo de construções: imitá-lo será para o Recife o sacrifício da
personalidade própria a um modelo que já é em si incolor, indistinto,
inexpressivo.
Não me parece que seja mau o
regionalismo ou o patriotismo regional, cuja ânsia é a defesa das tradições e
dos valores locais contra o “FUROR IMITATIVO”. Não me parece que semelhante
corrente de sentimento ponha em perigo a unidade brasileira em suas raízes ou
nas suas fontes de vida.
Cuido que as diferenciações
regionais, harmonizadas, serão, no Brasil, condição para uma Pátria
independente na suficiência econômica e moral do seu todo.
Escrevia há anos, no
crepúsculo, ainda no Império, o tumultuoso, arrítmico, mas às vezes sagaz
Sylvio Romero: “A grandeza futura do Brasil virá do DESENVOLVIMENTO AUTÔNOMO de
suas províncias. Os bons impulsos originais, que nelas aparecem, devem ser
fecundados, aplaudidos...Não sonhemos um Brasil uniforme, monótono, pesado,
indistinto, entregue à DITADURA de um centro regulador de idéias. Do concurso
das diversas aptidões das províncias é que deve sair o nosso progresso.”
O bom regionalismo não
encontrou ainda no Brasil quem melhor o fixasse ou o interpretasse do que
Sylvio Romero nesta incisiva meia página. Regionalista no bom sentido de
permitir a diversidade de aptidões dentro do seu seio, é por certo a Igreja de
Roma, sem que desta variedade resulte sacrifício ou prejuízo para sua unidade.
O bom regionalismo está longe,
e muito longe, do mau, que é o separatismo; que consiste na imposição dos
interesses locais sobre os gerais. Este mau regionalismo fá tem atuado na
política, na economia bralieira, com os mais lamentáveis efeitos.
Pernambuco, ou antes, o
Nordeste, deve trazer à cultura brasileira uma nota distinta, um impulso
original, uma criação sua. Aqui é a própria paisagem, nos seus valores naturais
que é decorativa a seu jeito; e a arquitetura portuguesa adquiriu entre nós,
nas “Casas Grandes” e nas “Casas fortes” dos engenhos, com a necessidade de
defesa e a complexidade do domínio semifeudal, um ar próprio e inconfundível.
Numa casa de engenho pernambucana, encontrou o arquiteto brasileiro, Sr.
Armando de Oliveira, - que é um tão alto e belo talento-inspiração para o
Pavilhão de Caça e Pesca na exposição do Centenário.
O Recife mesmo está ainda
cheio de sugestões dessa ordem, ainda que os arcos - sua melhor nota identificadora – tenham
desaparecido para satisfazer caprichos
de simetria e de modernismo.
Mas assim como a Cidade do
México, depois de atravessar um período semelhante ao que atravessamos, volta,
com Acevedo, Mariscal e Rivera, às tradições locais de arquitetura e decoração,
é possível que também o Recife volte ao espírito e às sugestões do seu passado.
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Este artigo – publicado na
“Revista do Norte” (Recife), número 5, de outubro de 1924, página 3-4, mostra
que o regionalismo freyriano é anterior ao manifesto de 1926, tão negado pelos
admiradores intransigentemente exclusivistas do Modernismo de 1922. Aqui já se
esboça um manifesto regionalista, acentuando-se a diferença entre regionalismo
e separativismo. Lembre-se de que, em 28 de abril de 1924, fundava-se no Recife, o Centro Regionalista do Nordeste,
durante o qual foi concebido o Congresso Regionalista de 1926.