Ela Romã, Teresa Conceição, 1998
Queria dormir como dormem as romãs ao fim do dia
Abraçadas com ternura ao sangue dos poentes
Queria dormir como dormitam as veias do vento
Cortando os pulsos à sombra da água das nascentes.
Queria cortar as mãos num só dia como fazem as fontes
Num segundo tocar os lábios da lua com mil anos de silêncio
Derramar prata na boca das minas com planetas de luz nos cabelos
E estrelas de cinzas e pombas cobertas de ouro.
Queria com o coração flutuando no altar das sombras
Cobrir-me num instante com o manto da aurora com coroas
E grinaldas de sinos e passando por mil lagos vermelhos
Com a minha boca podre de joelhos pedir rosas e cerejas.
Queria derrubar com beijos de relógios o corpo exangue das papoilas
Com pequenas sílabas de pedreiros e atravessar o rio onde choram.
E cortaria os pulsos nos túmulos com gritos e facas enormes
E morreria no meio do outono com os seus sacos de lágrimas
E espalharia colheres de vermelho pelas cidades às golfadas
Em dormitórios de relâmpagos com beijos diante de escadas
Ah, ninguém me fale agora!
Não posso responder a nada!
A minha língua tocou a sombra de um recém nascido
Procurando a água nas raízes da Aurora!
As grutas estão molhadas de pranto e as estrelas fulgentes
Correm a pedir trabalho na oficina das romãs.
Há imensas janelas com trajes de fora de oiro e branco
E versos de orvalho puro num purpuro relâmpago!
E chegam anjos vestidos de sol em sábado de Aleluiah
Circulam com os olhos cheios de vozes nas lâmpadas das laranjeiras
Anjos de rostos de azeite e coração assombrado escarlate.
Maria Azenha
2012-04-06
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Maria Azenha (Coimbra/ Portugal). Licenciada em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra. Professora e escritora. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da Sociedade Portuguesa de Autores.Tem publicado vários livros de poesia.
Email: mariaazenha@netcabo.pt
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