sexta-feira, agosto 05, 2011

Os Ventos da Poesia

















Ângelo Monteiro*, especial para o Jornal do Commercio 04/08/2011

Entre as vozes novas da poesia em Pernambuco Jacineide Travassos é uma das mais completas, não só por sua especial força expressiva mas pela diversificação dos seus interesses artísticos que abrangem, além da poesia, a pintura e a música de feição erudita; e essa procurada aliança entre as artes não deixaria de se refletir, é claro, em sua poética. Uma poética de ritmo ondulante, que não se satisfaz com minimalismos estreitos, como a do Livro dos Ventos (Recife: Bagaço, 2009) porém se amplifica, em ressonâncias anafóricas como quando “deixa a rosa chorar o seu perfume/enquanto chove/deixa a rosa verter-se em rio-perfume de rosa/volátil condição da chuva/enquanto chove” (Enquanto chove). A anáfora cumpre um papel essencialmente musical no andamento dos versos, contribuindo, ao lado dos recursos metafóricos, para que essa poética nunca pare sua ondulação entre as palavras e o chamamento da realidade. Como “as mãos lentamente/erguem a escritura das ondas”, se elas não são despertadas por um movimento inspirador próprio da relação anímica entre as coisas suscitadas, sobretudo, pela poesia? Sem tal movimento inspirador, como as coisas sairiam de sua mudez para chegar à palavra? Por isso “a tarde é o teu sopro morno no poente/a noite é teu olhar sobre as amêndoas/é a lua tornar-se marrom nos teus olhos/é a vida imersa nas sementes” (Então nasceram os astros). As coisas se comunicam umas com as outras como, também, nos levam gradativamente até elas: “o mar ilha de um pássaro pousado/diz do sol/que traga lume novo à tua casa” (Poema para as vozes da ilha). Jacineide Travassos, por meio do próprio título de sua obra — Livro dos ventos — aponta para o caráter de uma poesia animada desse sopro vital que não separa a experiência do amor do amor da experiência quando, por exemplo, confessa: “sangro fome de pássaros”, no poema 'Então é primavera'; ou quando canta: “amor/falena/borboleta em folha/tentando aplacar o fogo das asas/na árvore que se queima” (Solau dos ventos). Dessa forma nem toda poesia dita jovem tem algo a ver com a promessa permanente da vida — como a de Jacineide Travassos o testemunha — sejam quais forem as gerações que a cultivem as de hoje e as de ontem.


*Ângelo Monteiro é poeta e filósofo