Kara Walker
A
carnavalização dos textos se confunde com o que se convencionou denominar de
polifonia discursiva; para distinguir a multiplicidade de vozes, de certos
textos, do dialogismo constitutivo de todo discurso.
O teórico
russo Bakhtin desenvolve a questão da literatura carnavalesca principalmente ao
descrever as festas medievais na obra de Rabelais. Tais festas são consideradas
como"segunda vida" do povo, pois ofereciam uma visão do mundo, do homem e das
relações humanas totalmente diferente, deliberadamente não-oficial, exterior à
igreja e ao Estado; parecia terem construído ao lado do mundo oficial, um
segundo mundo e uma segunda vida, a que os homens da Idade Média pertenciam em
maior ou menor proporção e em que viviam em datas determinadas. Isso criava uma
espécie de dualidade do mundo...
Em outras
palavras, com a festa o mundo era colocado do avesso, vivia-se uma vida ao
contrário, pela suspensão das leis, das proibições e das restrições da vida
normal, invertia-se a ordem hierárquica e desaparecia o medo resultante das
desigualdades sociais, acabava-se a veneração, a piedade, a etiqueta, aboliam-se
a distância entre os homens, instalava-se uma nova forma de relações humanas,
renovava-se o mundo. A festa que mais plenamente assumiu essa renovação
universal foi o carnaval.
O conceito
de ambiguidade, de duplicidade, de ambivalência, enfim, é por
conseguinte, essencial para que se compreenda a carnavalização
bakhtiniana. Sobre a visão carnavalesca do mundo se assenta, para o autor, uma
cultura carnavalesca de que decorrem grandes obras, como as de Cervantes ou
Dostoiévski ou o picaresco em geral. Só como exemplo, não podemos esquecer que
Cervantes tirou a máscara do Cavaleiro medieval e foi lutar com moinhos de
vento...O avesso do herói imbatível...Aí está o homem e o herói ou anti-herói
moderno.
No quadro de
uma teoria semiótica do discurso se estende a noção de ambivalência à
duplicidade dialógica de cada nível de descrição do texto, na caracterização dos
discursos poéticos. Os discursos literários se caracterizam, em resumo, pela
ambivalência intertextual interna que, graças à multiplicidade de vozes e de
leituras, substitui a "verdade universal", única e peremptória pelo diálogo de
"verdades" textuais (contextuais) e históricas.
Evoé Baco!
Evoé Vênus! Evoé Momo! Evoé Bakhtin!