Podemos
questionar se a beleza que dura
ainda
merece esse nome; o que é certo é
que
nada existe de belo que não tenha em
seu
interior algo que mereça ser sabido.”
(Walter Benjamin)
Erwin
Panofsky em seu livro Idea evolui no
conceito de belo de um modo tal que, referindo-me à citação de Benjamin, seu
texto guarda em si “algo que mereça ser sabido".
Diz
Panofsky que Idea guarda uma estreita
relação com uma conferência dada pelo professor e filósofo Ernest Cassirrer.
Tal palestra tinha como tema Die Idee des
Shönen in Platos Dialoguem (A Idéia do Belo nos Diálogos de Platão), que se
encontra publicada no tomo II das conferências da biblioteca Warburg (Vorträge
der Bibliothek Warburg). É válido frisar que Aby Warburg, tendo como fonte de
pesquisa sua biblioteca em Hamburgo – até onde pôde ser resguardada do Nazismo
– foi um teórico de influência fundamental na formação não só de Panofsky, mas
de outros historiadores da arte como Fritz Saxl, Edgar Wind, Ernst Gombrich
etc.
Seguindo
a evolução histórica do conceito de belo, Panofsky percorre o labirinto dos
diversos períodos artísticos: a Antigüidade, a Idade Média, o Renascimento, o
Maneirismo, o Neoclacissismo e dedica um capítulo especial aos pintores
Michelangelo e Dürer, assim como transcreve passagens dos textos de Marsilio
Ficino, G. P. Lomazzo e G. P. Bellori.
Ao modo de Platão, também Panofsky
oferece-nos o seu “banquete” repleto de guloseimas teóricas preparadas por
“gourmets” ilustres de origens diversas: pintores, filósofos , poetas, tais
como Zêuxis, Fídias, Demétrius, Leonardo da Vinci, Rafael, Caravaggio, Giuseppe
de Arpino, Aníbal Carraci, Platão, Aristóteles, Sócrates, Cícero, Sêneca,
Plotino, Agostinho, Filóstrato, Dion Crisóstomo, Fílon, Tomás de Aquino,
Cennino Cennini, Vitrúvio, Luca Pacioli, Leonne Batista Alberti, Vasari, Dante,
Ariosto, Ovídio, Homero etc. A respeito deste último, constata Panofsky que é
delicioso ver como os neoclássicos contestam o relato, feito por Homero, sobre
a origem da guerra de Tróia, assinalando-se que “em sua simples qualidade de
mulher, Helena não poderia ter sido tão bela para constituir o motivo de um
conflito internacional que durou dez anos. Na realidade o motivo da guerra não
poderia ser a beleza imperfeita de uma mulher existente, mas sim a perfeita
beleza de uma estátua que Páris teria roubado e levado a Tróia.”(p. 107-108).
A obra de arte no período neoclássico funda-se no primado do belo, os artistas
deveriam corrigir os defeitos da natureza. Bellori não se cansa de acumular
argumentos visando a estabelecer que o homem pintado ou esculpido é – ou pelo
menos deve ser – mais perfeito que o homem real.
Como
requer Roland Barthes “a escrita acontece sempre que as palavras tenham sabor”
– saber e sabor têm a mesma etimologia em latim – sapere: ter gosto, exalar um
cheiro, um odor, fig.: conhecer, compreender. Enfim, em sua escritura Panofsky
faz do saber uma festa, seu texto Idea
tem a validade de um bom curso de teoria da arte. Destaco, aqui, um poema de
Michelangelo mencionado no livro em questão, sem dúvida, um aperitivo
fundamental para o convite à mesa panofskyana:
"Si como per
levar, Donna, si pone
In pietra
alpestra e dura
Una viva
figura,
Che lá piú
cresce, u’piú la pietra scema:
Tal alcun’opre
buone,
Per l’alma, che
pur trema,
Cela il
soverchio della propria carne
Com l’inculta
sua cruda e dura scorga.
Tu pur dalle
mie streme
Parti puo’sol
levarme,
Ch’in me non è
di me voler nè forza."
* Assim como ao retirar, Senhora, surge / De
uma pedra alpestre e dura / Uma viva figura / Que cresce mais lá onde a pedra
diminui: / Assim certas boas obras / Para a alma que estremece, / Ocultam a
massa da própria carne / Com sua casca inculta e bruta. / Mas apenas tu de
minhas partes / Extremas podes me livrar, / Pois em mim não há nem força nem
vontade.
PANOFSKY, Erwin.
Idea: A Evolução do Conceito de Belo.
São Paulo, Martins Fontes, 1994.