terça-feira, novembro 01, 2011

O Conceito de Belo



















  "A beleza que dura é um objeto do saber.
   Podemos questionar se a beleza que dura
   ainda merece esse nome; o que é certo é
  que nada existe de belo que não tenha em
  seu interior algo que mereça ser sabido.”
  (Walter Benjamin)


Erwin Panofsky em seu livro Idea evolui no conceito de belo de um modo tal que, referindo-me à citação de Benjamin, seu texto guarda em si “algo que mereça ser sabido".

Diz Panofsky que Idea guarda uma estreita relação com uma conferência dada pelo professor e filósofo Ernest Cassirrer. Tal palestra tinha como tema Die Idee des Shönen in Platos Dialoguem (A Idéia do Belo nos Diálogos de Platão), que se encontra publicada no tomo II das conferências da biblioteca Warburg (Vorträge der Bibliothek Warburg). É válido frisar que Aby Warburg, tendo como fonte de pesquisa sua biblioteca em Hamburgo – até onde pôde ser resguardada do Nazismo – foi um teórico de influência fundamental na formação não só de Panofsky, mas de outros historiadores da arte como Fritz Saxl, Edgar Wind, Ernst Gombrich etc.

Seguindo a evolução histórica do conceito de belo, Panofsky percorre o labirinto dos diversos períodos artísticos: a Antigüidade, a Idade Média, o Renascimento, o Maneirismo, o Neoclacissismo e dedica um capítulo especial aos pintores Michelangelo e Dürer, assim como transcreve passagens dos textos de Marsilio Ficino, G. P. Lomazzo e G. P. Bellori.

 Ao modo de Platão, também Panofsky oferece-nos o seu “banquete” repleto de guloseimas teóricas preparadas por “gourmets” ilustres de origens diversas: pintores, filósofos , poetas, tais como Zêuxis, Fídias, Demétrius, Leonardo da Vinci, Rafael, Caravaggio, Giuseppe de Arpino, Aníbal Carraci, Platão, Aristóteles, Sócrates, Cícero, Sêneca, Plotino, Agostinho, Filóstrato, Dion Crisóstomo, Fílon, Tomás de Aquino, Cennino Cennini, Vitrúvio, Luca Pacioli, Leonne Batista Alberti, Vasari, Dante, Ariosto, Ovídio, Homero etc. A respeito deste último, constata Panofsky que é delicioso ver como os neoclássicos contestam o relato, feito por Homero, sobre a origem da guerra de Tróia, assinalando-se que “em sua simples qualidade de mulher, Helena não poderia ter sido tão bela para constituir o motivo de um conflito internacional que durou dez anos. Na realidade o motivo da guerra não poderia ser a beleza imperfeita de uma mulher existente, mas sim a perfeita beleza de uma estátua que Páris teria roubado e levado a Tróia.”(p. 107-108). A obra de arte no período neoclássico funda-se no primado do belo, os artistas deveriam corrigir os defeitos da natureza. Bellori não se cansa de acumular argumentos visando a estabelecer que o homem pintado ou esculpido é – ou pelo menos deve ser – mais perfeito que o homem real.

Como requer Roland Barthes “a escrita acontece sempre que as palavras tenham sabor” – saber e sabor têm a mesma etimologia em latim – sapere: ter gosto, exalar um cheiro, um odor, fig.: conhecer, compreender. Enfim, em sua escritura Panofsky faz do saber uma festa, seu texto Idea tem a validade de um bom curso de teoria da arte. Destaco, aqui, um poema de Michelangelo mencionado no livro em questão, sem dúvida, um aperitivo fundamental para o convite à mesa panofskyana:

"Si como per levar, Donna, si pone
In pietra alpestra e dura
Una viva figura,
Che lá piú cresce, u’piú la pietra scema:
Tal alcun’opre buone,
Per l’alma, che pur trema,
Cela il soverchio della propria carne
Com l’inculta sua cruda e dura scorga.
Tu pur dalle mie streme
Parti puo’sol levarme,
Ch’in me non è di me voler nè forza."

          
*  Assim como ao retirar, Senhora, surge / De uma pedra alpestre e dura / Uma viva figura / Que cresce mais lá onde a pedra diminui: / Assim certas boas obras / Para a alma que estremece, / Ocultam a massa da própria carne / Com sua casca inculta e bruta. / Mas apenas tu de minhas partes / Extremas podes me livrar, / Pois em mim não há nem força nem vontade.
 
PANOFSKY, Erwin. Idea: A Evolução do Conceito de Belo. São Paulo, Martins Fontes, 1994.