"Para Valéry, a poesia funda-se em um movimento pendular:
permanente oscilação entre o som e o sentido. Em sua tessitura sonora, dizemos
que os haicais de Bernardo Souto se aproximam, em certa medida, aos de José Juan
Tablada, poeta mexicano merecidamente reabilitado por Octavio Paz. Em ambos
encontramos o entrelace de versos livres curtíssimos, por vezes rimados, e
versos metrificados. O autor de elogio do silêncio, antiparnasiano por
opção estética - assim como Tablada - recusa-se a enxertar em seus versos
palavras a golpes de martelo. Bernardo Souto só opta pelo verso metrificado
quando esse soa inteiramente sem artifícios, buscando uma música que se aproxima
bastante de um ritmo espontâneo, sem abdicar de uma meticulosa elaboração do
tecido sonoro.
Como em uma unidade diversa, os haicais de Tablada se aproximam mais das técnicas da pintura, onde as palavras através do jogo de similaridades, de viés metafórico, tingem o verso em ouro, expandindo-se em amarelo solar: peixes voadores/ao golpe de ouro solar/estala em estilhaços o vidro do mar. Bernardo Souto atinge a intensidade dessa imensa beleza plástica através do jogo de imagens em recorte metonímico: gotas d´água/na lâmina do lago/flores de cristal. Vemos que nessa peça os dois primeiros versos geram um terceiro sentido por contiguidade, de modo diferente de Tablada cujo terceiro verso é um continuum dos dois primeiros. A fotogenia do haicai de Souto traduz a fotografia do instante em que gotas e lâminas geram, em justaposição e colisão de imagens, um terceiro sentido: flores de cristal. Desse modo, lembra-nos o princípio da montagem cinematográfica enquanto conflito e colisão de Eisenstein. Este, em um ensaio intitulado O Princípio Cinematográfico e o Ideograma, que integra o livro A Forma do Filme, compreende a criação por imagens do haicai como um exercício metonímico de laconismo executado através do uso de frases de montagem e séries de tomadas muito semelhantes àquelas empregadas por ele próprio em sua linguagem fílmica. É precisamente esse o processo que predomina na poética singular de Bernardo Souto e em alguns dos autores presentes na terceira parte do seu livro, intitulada lira japonesa, na qual o autor pernambucano recria - com muita beleza - mestres do haicai como Moritake, Buson, Shiki e Bôsha.
À maneira de Tablada ou de Souto, pela metáfora ou metonímia,
usando ou não a rima e o metro tradicionais, que seja o verso, à la Verlaine, a coisa
que voa, o modo infinito de alçar uma dimensão verbivocovisual na
tradução do ser e das coisas do mundo".