segunda-feira, outubro 01, 2007

Nascimento do Mundo (Prólogo)

Jorge Moreira

O verbo se fez. Dizem que surgiu do hálito do homem, um sopro na terra. Antes da terra o homem, antes do homem o vento, antes do vento Idea que se fez verbo. Idea abriu os olhos para dar origem às coisas e pensou o mundo, a princípio, dividido em dois azuis: um azul de sombra e um azul de luz. Inventou a Morte e a Eternidade, a Caverna e a Inteligência. Idea, embora não soubesse, havia de separar o mundo em dois iguais. Disse: - Acima de mim as alturas, a região celeste. Fixou os astros. Para o céu pensou a Paz e todas as criaturas aladas, como um primeiro sopro da alma disse “Pássaro” e o som desta palavra trouxe o Vento.

Idea viu que o Vento, nascido do Pássaro, era em abstrato. Ser em abstrato talvez tenha sido a intenção da palavra Pássaro, mas o Vento queria também ser palavra e não apenas som de Pássaro. Fez-se então a Vontade e para que o Vento pudesse ser visto e se mover entre as coisas, Idea criou as Nuvens. As Nuvens, nascidas da Vontade e do Vento, logo quiseram ser mais que suas formas. Das Nuvens surgiram Desobediência e Desordem. Já que as Nuvens existiam em razão do Vento, Idea concedeu-lhes a Terra para que fossem também palavra. A Terra sabendo-se palavra dura, sendo apenas a contradição das Nuvens, quis ser pátria para o Pássaro, teria que acolher o Vento. Idea pensou para a Terra também a Água.Tão distante dos astros, sendo apenas o seu espelho, Água reclamou à Idea o seu sentido, criaram-se os peixes à semelhança dos pássaros. O Vento é o que move as águas. Surgiram os Cavalos Marinhos e toda sorte de plantas e seres viventes, que logo quiseram astros para animar seus azuis, Idea valeu-se de duas palavras para medir o céu do mar. Fez-se a Estrela Marinha.

A Terra atribuía sua dureza ao Sol que lhe corava em seus vermelhos. A Terra Chorou ao conceber Pedra. Foi para seu consolo que Idea criou a palavra Sede, e fez a água ser-lhe útil. Pensou toda a sorte de Verdes e Marrons e deu-lhe o mar, o rio e o lago, as árvores, os cavalos e a Ilha. Elegeu o Sol, a Lua e os outros astros para dar ritmo a tudo, surgiram as Estações e a Música. Para dar-lhes sentido casou-as com o Tempo.

O Tempo, sonhando-se Deus, riu do Homem que o mede, vive enciumado de tudo que existe e é o pai de Necessidade e Solidão. Concebeu-as para justificar o seu nome.O Homem, embora pense ter surgido depois de tudo, é o próprio Verbo. Nasceu da vontade que Idea compartilhou com o Vento de não ser apenas em abstrato, mas existir.


( do meu 'Livro dos Ventos' )